Texto Bíblico: Rm 12.1-2.
Introdução
Romanos 12:1–2 é uma
das passagens mais conhecidas do NT. Sua fama é justificada: aqui Paulo
sucintamente e com imagens vívidas resume como deveria ser a resposta cristã à
graça de Deus em Cristo. Os versos têm um papel fundamental em
Romanos. Por um lado, eles olham para o argumento dos
cap. 1–11. Enquanto Paulo tem em vista todos esses capítulos, os
links verbais e temáticos apontam para dois textos como particularmente
significativos. O primeiro é Romanos 1, cuja espiral descendente de
adoração falsa e tola (cf. v. 25) e mentes corrompidas (cf. v. 28) encontra
agora a sua inversão no culto “razoável” dos cristãos e na mente
renovada. O segundo é Romanos 6, cuja breve menção da necessidade dos
cristãos “se apresentarem” (vv. 13 e 19) como “vivos dentre os mortos” (v. 13)
é aqui reiterada e expandida. Ao mesmo tempo, 12:1–2 é o cabeçalho de tudo
o que se segue em 12:3–15:13.
I. O
APELO DE PAULO PARA A CONSAGRAÇÃO TOTAL DO EU A DEUS.
“Rogo-vos”
Este termo é comum na literatura paulina (por
exemplo, Rm 15:30; 16:17; 1 Co 4:16; 16:15; Fm 10), e muitas vezes introduz uma
seção em uma carta (1 Co 1:10; 2 Co 10:1; Ef 4:1; Fp 4:2; 1 Ts 4:1; 1 Tm 2:1).
A expressão significa uma questão urgente
colocada como um pedido. A exortação vem com autoridade, mas a
autoridade de um pregador que é o mediador da verdade de Deus, em vez da
autoridade de um superior emitindo uma ordem.
Por
isso, as exortações paulinas não contêm meramente bons conselhos ou suas
preferências. Elas representam a vontade autorizada de
Deus e são impostas às igrejas de maneira solene. À luz do que Deus fez em
Cristo, os crentes são convocados a obedecer às injunções do apelo.
“Portanto/pois”
Paulo quer mostrar que as exortações da seção 12:1-15:13 são construídas
firmemente sobre a teologia dos capítulos 1-11.
II.
A CAUSA DO APELO DE PAULO PARA A CONSAGRAÇÃO TOTAL DO EU A DEUS.
“Por causa das misericórdias de Deus”
A expressão sublinha a conexão entre o
que Paulo agora pede aos seus leitores que façam e o que ele lhes disse
anteriormente na carta sobre o que Deus fez por eles. Tudo o que Paulo
escreveu na carta até agora pode ser resumido sob a epígrafe da misericórdia de
Deus em ação. Paulo acabou de resumir essa misericórdia universal de Deus
(11:30-32) e expressou louvor a Deus por isso (11:33-36). O que Paulo pede no verso 1 - e,
por extensão, em toda a seção de 12:2–15:13 - não é mais (nem menos!) do que a
resposta apropriada e esperada à misericórdia de Deus como a experimentamos.
Que a misericórdia de Deus não produz
automaticamente a obediência que Deus espera é clara dos imperativos nesta
passagem. Mas a misericórdia de Deus manifestada na obra de renovação
interior de seu Espírito (v. 2) nos impele para a obediência que o evangelho
exige.
III.
A RESPOSTA ADEQUADA AO APELO DE PAULO PARA A CONSAGRAÇÃO TOTAL DO EU A DEUS.
“Apresenteis”
É um termo técnico para a apresentação de um sacrifício,
significando literalmente “colocar de lado” para qualquer propósito, pôr à disposição; ofertar.
A palavra está no tempo presente. Paulo
simplesmente nos ordena a fazer esta oferta, não dizendo nada sobre quantas
vezes ela precisa ser feita.
“Os
vossos corpos”
Não é apenas o que podemos dar
que Deus exige; Ele exige o doador.
A palavra
"corpos" aqui se refere à pessoa como um todo e enfatiza que a
consagração a Deus envolve toda a pessoa. Não se pode consignar dedicação a Deus ao espírito e negligenciar
o corpo. O compromisso
genuíno com Deus abrange todas as áreas da vida e inclui o corpo em toda a sua
particularidade e concretude.
Paulo está enfatizando que o sacrifício que somos chamados a fazer
requer uma dedicação ao serviço de Deus na vida cotidiana e muitas vezes
ambígua deste mundo.
“Como
um sacrifício”
O uso de imagens sacrificiais por Paulo aqui se ajusta a um padrão
encontrado em todo o NT. Os cristãos não oferecem mais sacrifícios
literais; porque Cristo cumpriu e, assim, pôs fim ao sistema sacrificial
do AT. Mas a centralidade do sacrifício na religião antiga tornou-se um
veículo natural e inevitável para os primeiros cristãos expressarem suas
próprias convicções religiosas. Ao mesmo tempo, o uso da linguagem cultual
pelo NT tem uma importante função histórico-salvífica e polêmica, reivindicando
para o cristianismo o cumprimento daquelas instituições tão centrais para o AT
e para o judaísmo. Os cristãos não
oferecem sacrifícios de sangue sobre um altar; mas eles oferecem
“sacrifícios espirituais” (1 Pedro 2:5), tais como o “sacrifício de louvor a
Deus, que é o fruto de lábios que reconhecem o seu nome” (Hb 13:15). Em
Rom. 15:16, Paulo descreve sua própria obra missionária em termos cultuais
(veja também Filipenses 2:17; e veja Filipenses 3:3 e 4:18). Em Romanos 12:1,
no entanto, o sacrifício que oferecemos não é uma forma específica de louvor ou
serviço, mas nossos próprios "corpos".
“Vivo, Santo e agradável a Deus”
Paulo qualifica o sacrifício que oferecemos com nossos corpos com três
adjetivos:
“Vivo”. A palavra "vivo" denota o estado
espiritual dos crentes. Eles
estão agora “vivos para Deus em Cristo Jesus” (Romanos 6:11, 13; 8:13). São precisamente aqueles que estão vivos em
Cristo que são chamados a dar suas vidas a ele como
sacrifício.
“Santo”. Denota algo
separado e dedicado a Deus em oposição a algo comum ou profano. Os crentes romanos são
chamados “santos” (1: 7) por causa do Espírito Santo “dado” a eles (5: 5), que
os “santificou” (15:16), e que os capacita
para justiça, alegria,
esperança, paz (14:17; 15:13).
Agradável a Deus. Expressa
o resultado de sacrifícios que são “vivos” e “santos”, na medida em que recebem
o favor divino (ver Fp 4:18).
IV.
A CONSAGRAÇÃO TOTAL DO EU A DEUS COMO O CULTO ADEQUADO.
“Que é o Vosso culto
racional”
Racional
Paulo usou o termo grego λογικός com o
significado "racional" ou "razoável", como era comum na
língua grega. Seu
propósito ao fazer isso era enfatizar que entregar todo o seu eu a Deus é
eminentemente razoável. Visto que Deus tem sido tão misericordioso, a
incapacidade de dedicar sua vida a ele é o cúmulo da loucura e da
irracionalidade.
Culto
A palavra λατρείαν é
outro termo cultual. O
que é notável é que Paulo aplicou a linguagem do culto à existência cotidiana. A adoração descrita não se refere a assembleias públicas,
mas ao ceder de toda a vida a Deus na realidade concreta da existência
cotidiana. A atividade
e linguagem que focalizaram o culto no AT agora são estendidas para abranger
todas as facetas da existência do crente. Neusner (1971) enfatizou
como os fariseus expandiram sua concepção de pureza para que incluísse a vida
cotidiana. Paulo
faz a mesma coisa, mas de uma maneira muito diferente. A adoração e os
sacrifícios do AT não podem mais ficar confinados ao culto.
Ele
entende o culto do AT como sendo agora cumprido porque a nova era é inaugurada.
O chamado para adorar faz com que o tema da carta ressurja, pois o pecado
fundamental é a falha em adorar a Deus (veja 1:25). Aqueles que adoram a Deus
entregam suas vidas inteiras a ele para que ele seja honrado e elogiado em tudo
o que fazem.
Reuniões regulares de cristãos para
louvor e edificação mútua são apropriadas e, de fato, ordenadas nas Escrituras. E
o que acontece nessas reuniões é certamente “adoração”. Mas esses momentos
especiais de culto corporativo são apenas um aspecto do culto contínuo que cada
um de nós deve oferecer ao Senhor no sacrifício de nossos corpos dia a dia.
“A
adoração cristã não consiste naquilo que é praticado em locais sagrados, em
tempos sagrados e com atos sagrados ... É a oferta da existência corpórea na
esfera outrora profana”.
Esta “adoração verdadeira e apropriada” não se realiza através da
veneração de imagens finitas encontradas na idolatria greco-romana (1:24), nem
na busca de virtude pelo filósofo ou rabino (2:1-16), nem no serviço do templo
de Jerusalém (9:4). Tal é
substituído pela morte sacrificial de Cristo (3:24-25). É o serviço corpóreo de
uma comunidade em seu modo de vida que agrada a Deus.