E eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a mim.
E dizia isto, significando de que morte havia de morrer.
João 12:31-33
Recentemente fui surpreendido com uma
afirmação paradoxal de uma adolescente: - “Eu não vou para a igreja da minha vô
porque lá não tem nenhum atrativo?”. Curioso, perguntei a mãe da adolescente o
que ela entendia por “nenhum atrativo”.
Ao que ela me respondeu que a aludida igreja não tinha entretenimento
para os jovens. Esse pequeno episódio me fez lembrar as palavras de Jesus
citadas acima “e eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a mim”. De pronto, assomou a seguinte pergunta a minha cachola: o que tem atraído as pessoas a Cristo (ou à igreja)?
O
parêntese acima (ou à igreja) não é por acaso. Ele procura assinalar os paradoxos provocados
pela utilização de técnicas de crescimento emprestadas do mundo. Não
é minha pretensão apresentar um inventário dessas técnicas, outros já o fizeram[1]. O que procuro apontar são os problemas eclesiológicos que essas técnicas acabam por colocar. O que é a
igreja? Qual a relação da igreja com o
mundo? A quem ela pertence? Como ela pode alcançar os perdidos?
A palavra
paradoxo, segundo o dicionarista Aurélio, significa “pensamento, proposição ou
argumento que contraria os princípios básicos e gerais que costumam orientar o
pensamento humano, ou desafia a opinião consabida, a crença ordinária e
compartilhada pela maioria”. Neste caso, portanto, a utilização dessas técnicas
acaba por solapar as bases doutrinárias da própria igreja, que precisaria rever
suas mais cristalizadas doutrinas, para “atualizar” a Bíblia ao contexto atual. Aqui é oportuno citar as
palavras de Paul Washer, proferidas num pequeno vídeo disponível no site
voltemosaoevangelho.com, cujo título é "igrejas e as técnicas carnais", onde ele
afirma que “se você usa meios carnais para atrair
pessoas para a igreja, você ira atrair pessoas carnais e terá
que continuar usando meios carnais maiores ainda para mantê-los na igreja. Que
meios você está usando?”
Buscando responder a essa indagação, vamos fazer uma breve incursão no texto acima, que é esclarecedor sobre essa temática.
D. A Carson (2007, p. 442), diz que podemos discernir cinco ênfases nesta
passagem, todas ligadas com a paixão/glorificação de Cristo, contexto imediato da passagem:
A primeira
ênfase versa sobre o julgamento deste mundo – “agora é o juízo deste mundo”. Hendriksen (2014, p. 574) diz que o mundo se viu
vitorioso ao crucificar Jesus, mas não se
“deu conta de que, exatamente por meio dessa ação, ele condenou a si mesmo”. O mundo, aqui, são todos aqueles que estão em rebelião contra seu Criador, se opondo a ele e transgredindo suas leis. O julgamento do mundo se dá em função dessa rebelião, que não pode ser tolerada por Deus. Carson
(2007, p. 442) acrescenta que “a paixão/glorificação de Jesus significa
julgamento tanto positiva quanto negativamente”. Positivamente, porque ali está sendo revelado o amor de
Deus por nós da maneira mais intensa; negativamente, porque ali está sendo revelada
a mais obscura e cruel face do pecado e dos pecadores. Quando o mundo rejeita o Filho de Deus está fechando a única
porta de esperança e salvação possível, está julgando-se, e proferindo a sua própria sentença (Jo 3.
18-21).
A segunda ênfase está relacionada com o julgamento
de Satanás – “agora será expulso o príncipe deste mundo”. Da mesma forma que a crucificação parece ser a vitória
do mundo sobre Jesus, o mesmo se aplica a Satanás. Aquilo que é para ele considerado o
instrumento do triunfo, a cruz, para Cristo é a mais eloquente declaração de vitória. Como diz Hendriksen (2014, p. 574):
Então, por
meio da morte de Cristo, o poder de Satanás sobre as nações do mundo é
quebrado. Durante a antiga dispensação, essas nações estiveram sob a escravidão
de Satanás (embora, naturalmente, nunca no sentido absoluto do termo). Com a
vinda de Cristo, ocorre uma mudança tremenda. No Pentecostes e depois dele,
começamos a ver a reunião da Igreja entre todas as nações do mundo (cf. Ap
20.3).
A terceira ênfase está relacionada com a paixão/glorificação – “E eu, quando for levantado da terra”. O termo “levantado” é ambíguo, pois é possível lê-lo de duas maneiras. Em primeiro lugar, "levantado" remete à crucificação no monte chamado Caveira, a elevação da própria cruz, mas, em segundo lugar, também remete à exaltação de Jesus após a sua ressurreição e retorno ao céu. João, no verso 33, esclarece que Jesus “dizia isto, significando de que morte havia de morrer”, ou seja, a cruz. Segundo Carson (2007, p. 443) “a morte de Jesus é o caminho para sua glorificação, na verdade, uma parte integral dela. Sua glorificação não é uma recompensa ou prêmio por sua crucificação; ela é inerente a sua crucificação” (Fl 2.5-11). A humilhação mais crassa é o caminho, para o Cristo, da mais gloriosa exaltação.
A quarta ênfase está relacionada com a atração provocada pela paixão/glorificação de Jesus – “todos atrairei a mim”. Conforme indica o contexto, “todos” se refere aos gregos que queriam ver Jesus e aos judeus, que ali estavam também. Trocando por miúdos, significa dizer que a morte de Cristo atrairia as nações da terra a Ele (Sl 2). A atração diz respeito a Ele mesmo, e não a cruz. A Ele mesmo quer dizer a união perfeita que gozam aqueles que foram enxertados na videira verdadeira. Sobre a forma e o meio da atração, Hendriksen (2014, p. 574) arremata de forma esclarecedora que:
Por meio
de sua crucificação, ressurreição, ascensão e coroação, Jesus atraiu a si mesmo
(isto é, à fé eterna nele mesmo) todos os eleitos de Deus de todos os tempos,
regiões e nações. Ele os atraiu por meio de sua Palavra e de seu Espírito. Essa
atividade do Espírito é a recompensa por haver o Filho sido levantado.
A quinta ênfase está relacionada à natureza escatológica desses eventos. Todos esses eventos parecem remeter apenas ao final dos tempos, como a leitura do Apocalipse dá a entender, quando fala do juízo final. No entanto, o fim dos tempos já começou. Como diz Carson “não é que não esteja reservado para a consumação; antes, significa que o passo decisivo está para ser dado na morte/exaltação de Jesus” (2007, p. 444).
Gostaria de encerrar lembrando que o poder de atração da igreja não está nos seus métodos ou técnicas de crescimento. Não está na eloquência do pregador. O poder de atração da igreja está na paixão/exaltação de Jesus e nas consequências que ela promoveu. Ao subir ao céu Jesus mandou o Outro Consolador, o Espirito Santo, para dar testemunho do Filho perante o mundo. É Ele que convence o homem do pecado, da justiça e do juízo, pela instrumentalização da Palavra de Deus. Portanto, o melhor atrativo da igreja é o Seu fundador – Jesus Cristo.
Referências Bibliográficas
CARSON, D. A. O comentário de João. São Paulo: Shedd
Publicações, 2007.
HENDRIKSEN, William. O Evangelho de João. São Paulo: Editora
Cultura Cristã, 2004.
[1]
Alguns sites que já se
debruçaram sobre o assunto: http://www.chamada.com.br/mensagens/igreja_ao_gosto.html; http://www.cosmovisaocrista.com/2013/03/cinco-formas-de-encher-sua-igreja.html; http://www.ministeriofiel.com.br/artigos/detalhes/421/Minha_Passagem_pelo_Movimento_de_Crescimento_de_Igrejas; http://voltemosaoevangelho.com/blog/2011/06/ministerio-de-jovens-paul-washer-igrejas-e-as-tecnicas-carnais/.