terça-feira, 18 de agosto de 2015

PERIGOSAS ATRAÇÕES


Agora é o juízo deste mundo; agora será expulso o príncipe deste mundo.
E eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a mim.
E dizia isto, significando de que morte havia de morrer.
João 12:31-33


Recentemente fui surpreendido com uma afirmação paradoxal de uma adolescente: - “Eu não vou para a igreja da minha vô porque lá não tem nenhum atrativo?”. Curioso, perguntei a mãe da adolescente o que ela entendia por “nenhum atrativo”.  Ao que ela me respondeu que a aludida igreja não tinha entretenimento para os jovens. Esse pequeno episódio me fez lembrar as palavras de Jesus citadas acima “e eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a mim”. De pronto, assomou a seguinte pergunta a minha cachola: o que tem atraído as pessoas a Cristo (ou à igreja)?

O parêntese acima (ou à igreja) não é por acaso. Ele procura assinalar os paradoxos provocados pela utilização de técnicas de crescimento emprestadas do mundo. Não é minha pretensão apresentar um inventário dessas técnicas, outros já o fizeram[1]. O que procuro apontar são os problemas eclesiológicos que essas técnicas acabam por colocar. O que é a igreja?  Qual a relação da igreja com o mundo? A quem ela pertence? Como ela pode alcançar os perdidos? 

A palavra paradoxo, segundo o dicionarista Aurélio, significa “pensamento, proposição ou argumento que contraria os princípios básicos e gerais que costumam orientar o pensamento humano, ou desafia a opinião consabida, a crença ordinária e compartilhada pela maioria”. Neste caso, portanto, a utilização dessas técnicas acaba por solapar as bases doutrinárias da própria igreja, que precisaria rever suas mais cristalizadas doutrinas, para “atualizar” a Bíblia ao contexto atual. Aqui é oportuno citar as palavras de Paul Washer, proferidas num pequeno vídeo disponível no site voltemosaoevangelho.com, cujo título é "igrejas e as técnicas carnais", onde ele afirma que “se você usa meios carnais para atrair pessoas para a igreja, você ira atrair pessoas carnais e terá que continuar usando meios carnais maiores ainda para mantê-los na igreja. Que meios você está usando?”

Buscando responder a essa indagação, vamos fazer uma breve incursão no texto acima, que é esclarecedor sobre essa temática. D. A Carson (2007, p. 442), diz que podemos discernir cinco ênfases nesta passagem, todas ligadas com a paixão/glorificação de Cristo, contexto imediato da passagem:

A primeira ênfase versa sobre o julgamento deste mundo – “agora é o juízo deste mundo”. Hendriksen (2014, p. 574) diz que o mundo se viu vitorioso ao crucificar Jesus, mas não se “deu conta de que, exatamente por meio dessa ação, ele condenou a si mesmo”. O mundo, aqui, são todos aqueles que estão em rebelião contra seu Criador, se opondo a ele e transgredindo suas leis. O julgamento do mundo se dá em função dessa rebelião, que não pode ser tolerada por Deus. Carson (2007, p. 442) acrescenta que “a paixão/glorificação de Jesus significa julgamento tanto positiva quanto negativamente”. Positivamente, porque ali está sendo revelado o amor de Deus por nós da maneira mais intensa; negativamente, porque ali está sendo revelada a mais obscura e cruel face do pecado e dos pecadores. Quando o mundo rejeita o Filho de Deus está fechando a única porta de esperança e salvação possível, está julgando-se, e proferindo a sua própria sentença (Jo 3. 18-21).

A segunda ênfase está relacionada com o julgamento de Satanás – “agora será expulso o príncipe deste mundo”. Da mesma forma que a crucificação parece ser a vitória do mundo sobre Jesus, o mesmo se aplica a Satanás. Aquilo que é para ele considerado o instrumento do triunfo, a cruz, para Cristo é a mais eloquente declaração de vitória. Como diz Hendriksen (2014, p. 574):

Então, por meio da morte de Cristo, o poder de Satanás sobre as nações do mundo é quebrado. Durante a antiga dispensação, essas nações estiveram sob a escravidão de Satanás (embora, naturalmente, nunca no sentido absoluto do termo). Com a vinda de Cristo, ocorre uma mudança tremenda. No Pentecostes e depois dele, começamos a ver a reunião da Igreja entre todas as nações do mundo (cf. Ap 20.3).

  A terceira ênfase está relacionada com a paixão/glorificação – “E eu, quando for levantado da terra”. O termo “levantado” é ambíguo, pois é possível lê-lo de duas maneiras. Em primeiro lugar, "levantado" remete à crucificação no monte chamado Caveira, a elevação da própria cruz, mas, em segundo lugar, também remete à exaltação de Jesus após a sua ressurreição e retorno ao céu. João, no verso 33, esclarece que Jesus “dizia isto, significando de que morte havia de morrer”, ou seja, a cruz. Segundo Carson (2007, p. 443) “a morte de Jesus é o caminho para sua glorificação, na verdade, uma parte integral dela. Sua glorificação não é uma recompensa ou prêmio por sua crucificação; ela é inerente a sua crucificação” (Fl 2.5-11). A humilhação mais crassa é o caminho, para o Cristo, da mais gloriosa exaltação.
    A quarta ênfase está relacionada com a atração provocada pela paixão/glorificação de Jesus – “todos atrairei a mim”. Conforme indica o contexto, “todos” se refere aos gregos que queriam ver Jesus e aos judeus, que ali estavam também. Trocando por miúdos, significa dizer que a morte de Cristo atrairia as nações da terra a Ele (Sl 2). A atração diz respeito a Ele mesmo, e não a cruz. A Ele mesmo quer dizer a união perfeita que gozam aqueles que foram enxertados na videira verdadeira. Sobre a forma e o meio da atração, Hendriksen (2014, p. 574) arremata de forma esclarecedora que:

Por meio de sua crucificação, ressurreição, ascensão e coroação, Jesus atraiu a si mesmo (isto é, à fé eterna nele mesmo) todos os eleitos de Deus de todos os tempos, regiões e nações. Ele os atraiu por meio de sua Palavra e de seu Espírito. Essa atividade do Espírito é a recompensa por haver o Filho sido levantado.

      A quinta ênfase está relacionada à natureza escatológica desses eventos. Todos esses eventos parecem remeter apenas ao final dos tempos, como a leitura do Apocalipse dá a entender, quando fala do juízo final. No entanto, o fim dos tempos já começou. Como diz Carson “não é que não esteja reservado para a consumação; antes, significa que o passo decisivo está para ser dado na morte/exaltação de Jesus” (2007, p. 444).

      Gostaria de encerrar lembrando que o poder de atração da igreja não está nos seus métodos ou técnicas de crescimento. Não está na eloquência do pregador. O poder de atração da igreja está na paixão/exaltação de Jesus e nas consequências que ela promoveu. Ao subir ao céu Jesus mandou o Outro Consolador, o Espirito Santo, para dar testemunho do Filho perante o mundo. É Ele que convence o homem do pecado, da justiça e do juízo, pela instrumentalização da Palavra de Deus. Portanto, o melhor atrativo da igreja é o Seu fundador – Jesus Cristo.

Referências Bibliográficas


CARSON, D. A. O comentário de João. São Paulo: Shedd Publicações, 2007.

HENDRIKSEN, William. O Evangelho de João. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

COMO ERAM AS MANIFESTAÇÕES DO ESPÍRITO SANTO NO ANTIGO E NO NOVO TESTAMENTO?

O Evangelho de João relata uma passagem da vida de Jesus que leva algumas pessoas a entender que o Espírito Santo não agia entre o povo d...