terça-feira, 15 de maio de 2018

REFLEXÕES NO SALMO 119


SINCERIDADE E FRAQUEZA

Eu te busco de todo o coração; não permitas que eu me desvie dos teus mandamentos (Sl 119.10, NVI). 

No v. 9, o sábio propôs uma pergunta retorica com o objetivo de introduzir sua instrução aos jovens. Lá, o sábio chama a atenção para o fato de que a lei de Deus é o padrão normativo claro a partir do qual o jovem pode comparar, observar, testar, vigiar a sua conduta. No v. 10, “há uma profunda conexão entre esforçar-se pela perfeição moral e a percepção de que a inquirição é impossível sem a ajuda divina”[1]. Em outras palavras, para que o jovem seja irrepreensível na sua conduta moral ele deve buscar a Deus com sinceridade e integridade, de todo o seu coração, mas também com humildade, sabendo que a fraqueza da nossa carne sempre frustra nossos intentos mais ardentes de servir a Deus. Kirkpatrick captou o desejo do coração do salmista: “não me deixe errar por ignorância ou inadvertência (19.12; v. 67). Minha intenção é boa, mas meu conhecimento é imperfeito e minha força é pequena”[2]

Calvino e Matthew Henry interpretam o versículo em termos de uma experiência passada da graça pela qual se ora para que continue no presente. É como se o salmista estivesse antecipando Paulo em Filipenses 1.6: “Estou convencido de que aquele que começou boa obra em vocês, vai completá-la até o dia de Cristo Jesus” (NVI). Agostinho também segue essa interpretação. “Que quer dizer ser repelido por Deus, a não ser: não receber auxílio? A fraqueza humana não se adapta bem aos mandamentos retos e árduos, a não ser com o auxílio da caridade preveniente”[3]

A autoconfiança da primeira parte do versículo é temperada com o reconhecimento da carência da graça na segunda. Aceitar a responsabilidade pela nossa vida moral deve vir acompanhada do reconhecimento de que precisamos do apoio do Senhor para cumprir essa responsabilidade. Mais uma vez, Paulo nos ajuda a entender o que é dito pelo salmista: “Assim, meus amados, como sempre vocês obedeceram, não apenas em minha presença, porém muito mais agora na minha ausência, ponham em ação a salvação de vocês com temor e tremor, pois é Deus quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele (Fp 2.12-13, NVI). 

Desviar-se não é apenas um problema dos jovens; as pessoas se perdem na meia-idade e na vida adulta[4]. O único que buscou ao Senhor de todo o seu coração e jamais afastou-se dos seus mandamentos foi Jesus. Quanto a nós, não creio que possamos buscar a Deus de todo o nosso coração desse lado da eternidade. Essa é uma realidade que será plenamente atingida no novo céu e na nova terra. A razão para isso é que os nossos corações são enganosos e corruptos (Jr 17. 8-9), o mundo nos seduz muitas vezes (1 Jo 2.15-17), e o diabo, nosso adversário, não dá trégua nenhum segundo se quer (Ef 6.10ss). A orientação de Calvino é oportuna: “quanto mais uma pessoa se vê socorrida por Deus, tanto mais deve sentir-se induzida a implorar mais cautelosa e solicitamente a continuação do seu auxílio; pois, a menos que Ele nos refreie, vacilaremos e nos desviaremos instantaneamente”[5]. Para que o jovem possa manter pura a sua conduta, sinceridade e integridade devem vir sempre unida à humildade. “Minha intenção é boa, mas meu conhecimento é imperfeito e minha força é pequena”.


[1] BÍBLIA, Português. Bíblia de Estudo de Genebra. 2ª edição, revisada e ampliada. Tradução de João Ferreira de Almeida. Edição revista e atualizada. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil (SBB); São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2009. 

[2] KIRKPATRICK, A. F. The Book of Psalms. Vol 3. Cambridge: University Press, 1897. p. 707. 

[3] SANTO AGOSTINHO. Comentários aos Salmos (Salmos 101-150). Trad. Monjas Beneditinas. São Paulo: Paulus, 1998. p. 183-4. 

[4] GOLDINGAY, John. Baker commentary on the Old Testament: wisdom and psalms. Michigan: Baker Academic, 2013. 

[5] CALVINO, João. Salmos. Vol. 4. Trad. Valer Graciano Martins. São Paulo: Editora Fiel, 2013. (Ebook).

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