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Texto Bíblico: Mt 15:21-28
Introdução
Uma das formas mais efetivas - e dolorosas - que Deus emprega para o amadurecimento da nossa fé é o sofrimento. Em várias partes das Escrituras encontramos a afirmação dessa verdade:
Pv 17:3 O crisol é para a prata e o forno é para o ouro, mas o Senhor prova o coração.
Lc 8:13 As que caíram sobre as pedras são os que recebem a palavra com alegria quando a ouvem, mas não têm raiz. Crêem durante algum tempo, mas desistem na hora da provação.
Jo 16:33 "Eu lhes disse essas coisas para que em mim vocês tenham paz. Neste mundo vocês terão aflições; contudo, tenham ânimo! Eu venci o mundo".
Rom 5:3 Não só isso, mas também nos gloriamos nas tribulações, porque sabemos que a tribulação produz perseverança;
Rom 5:4 a perseverança, um caráter aprovado; e o caráter aprovado, esperança.
Heb 3:8 não endureçam o coração, como na rebelião, durante o tempo de provação no deserto.
Tg 1:12 Feliz é o homem que persevera na provação, porque depois de aprovado receberá a coroa da vida que Deus prometeu aos que o amam.
1 Pe 1:6 Nisso vocês exultam, ainda que agora, por um pouco de tempo, devam ser entristecidos por todo tipo de provação.
1 Pe 1:7 Assim acontece para que fique comprovado que a fé que vocês têm, muito mais valiosa do que o ouro que perece, mesmo que refinado pelo fogo, é genuína e resultará em louvor, glória e honra, quando Jesus Cristo for revelado.
Essa situação se assemelha como quando esmagamos uma flor para sentir o seu aroma em toda a sua intensidade. Assim também Deus nos “esmaga” (a palavra “tribulação”, no grego, traz o sentido de “prensar”, como a prensa em que as azeitonas eram esmagadas) para tirar o melhor de nós. Essa história é um exemplo disso. Quanto mais a mulher foi “esmaga”, tanto mais ela exalava o cheiro suave da fé.
I. EM BUSCA DE DESCANSO.
1) O motivo da viagem
“E, partindo Jesus dali”. Não é a primeira vez que Mateus utiliza essa expressão. Em 4.12, lemos que “ouvindo, porém, Jesus que João fora preso, retirou-se para a Galiléia”. Em 12.14-15, quando os fariseus intentavam matá-lo, diz-nos o evangelista que “Jesus, sabendo isso, retirou-se dali, e acompanharam-no grandes multidões, e ele curou a todas”. Aqui, logo após o enfrentamento com os fariseus sobre a tradição dos anciãos quanto à pureza ritual e moral, ele foi para as regiões de Tiro e Sidom. Jesus, no momento de perigo, abandona momentaneamente o campo, não a missão, para continuar em outro lugar a sua obra de salvação (Mt 10:23).
2) O propósito da viagem
“Foi para as partes de Tiro e de Sidom”. Depois de sua questão com os escribas e fariseus, Jesus viajou em direção ao norte, para a costa - “região ou “distrito” - de Tiro e Sidom, duas cidades comerciais poderosas. Essas duas cidades estavam localizadas na Fenícia (atualmente, o Líbano) que era um território gentílico (BEACON, 2006). Esta passagem mostra a Jesus procurando um período de tranquilidade antes do alvoroço do fim. Não se trata em nenhum sentido de uma fuga de Jesus; é uma imagem de Jesus adquirindo forças e preparando-se, Ele e seus discípulos, para a luta final e decisiva que tinha pela frente (CARSON, 2010).
Mesmo entre os impuros gentios havia fé verdadeira. “O sentido supremo desta passagem é que preanuncia a propagação do evangelho a todo mundo; mostra-nos o princípio do fim de todas as barreiras” (Ef 2.11-22) (BARCLAY, p. 549, 1975).
II. O DESCANSO INTERROMPIDO POR UM ENCONTRO.
O texto nos diz que ela era grega quanto à língua e cultura, siro-fenícia quanto a origem. O uso do termo cananeia por Mateus lembra-nos que ela é parte dos antigos inimigos do povo de Deus. Mateus parece estar interessado em destacar a origem gentílica da mulher para sublinhar o mundo gentílico como distinto do mundo do povo da aliança. O contraste fica claro quando olhamos para a perícope anterior. Onde deveria haver fé e conhecimento há incredulidade, e onde deveria haver incredulidade e ignorância há fé e reconhecimento. Ainda que a mulher tivesse vindo antes do tempo, ela figura o anúncio da chegada da salvação aos gentios. Para Carson:
A perícope não só registra que Jesus se afastou da oposição dos fariseus e dos mestres da lei (cf. 14.13), mas também contrasta a forma como eles se dirigem ao Messias com o modo como a mulher se dirige. Eles pertencem ao povo da aliança, mas ofendem-se com a conduta dos discípulos de Jesus, desafiam a autoridade dele e são tão falhos na compreensão das Escrituras que mostram não ser plantas semeadas pelo Pai celestial. Mas essa mulher pagã, descendente de antigos inimigos e sem direito ao Deus da aliança; no fim, aproxima-se do Messias judeu e com grande fé pede apenas por graça, e seu pedido é atendido (cf. 8.5-13) (CARSON, 2010, p. 413).
Vejamos agora os detalhes do encontro.
1) A SÚPLICA DA MULHER
Como essa mulher sabia que Jesus estava naquelas regiões? Segundo Mateus 4 e Marcos 3.8, muitas pessoas daquelas regiões haviam estado em Israel no início do ministério de Jesus, na Galileia, para serem curadas. Entretanto, Mateus não se preocupou em nos informar esse detalhe aqui. Podemos supor que o encontro dela com Cristo era parte da inciativa de Deus em salvar os pecadores? Um encontro proporcionado pela graça de Deus? À luz das Escrituras não seria desarrazoado supor isso, visto que Deus toma a iniciativa da nossa Salvação. Veja, agora, o conteúdo dessa primeira súplica:
a) A intensidade da súplica – “clamava”. Gritar, clamar, aclamar, gritar com alguém.
b) A invocação da súplica – “Senhor, filho de Davi”. A mulher parece acreditar que destacar a messianidade e realeza de Jesus lhe proporcionaria atenção imediata. O que ela esperava era ser tratada como parte do povo da aliança? Seriam essas apenas palavras lisonjeiras, destituídas de fé verdadeira?
c) A urgência da súplica – “tem misericórdia”. Aqui ela busca a compaixão de Jesus. A palavra no grego traz o sentido de urgência, um pedido cujo atendimento não poderia ser protelado.
d) A solidariedade da súplica – “de mim; minha filha”. Quando intercedemos por alguém a necessidade do outro é também a nossa. É chorar com os que choram e se alegrar com os que se alegram.
e) A identificação do problema na súplica – a filha dela estava miseravelmente endemoninhada. Veja o discernimento que ela apresenta ao identificar o problema da filha como de origem espiritual.
Na súplica da mulher o cheiro suave da fé começa a exalar. No entanto, Jesus vai esmagá-la para que o cheiro possa se propagar na sua mais intensa possibilidade. A resposta de Jesus, a seguir, não tem a intenção de repeli-la ou destruí-la, mas amadurece-la. Até aqui temos uma fé de ouvir falar. Jesus quer que ela exclame como Jó: Agora meus olhos te veem.
2) O AMADURECIMENTO DA FÉ DA MULHER
A resposta de Jesus é gradual. E como já dissemos tinha a intenção de amadurecer a fé da mulher. A pergunta que vai guiar nossa abordagem é como Jesus amadurece a nossa fé? Ele faz isso de diversas maneiras. Vejamos:
a) Através da prova de um silêncio aparente
“Mas ele não lhe respondeu palavra” (v. 23)
O exemplo de Jó parece ser proverbial, nesse caso. Deus só fala ao patriarca no capítulo 38, não para responder as suas perguntas, mas para lançar por terra a sua sabedoria. O silêncio de Jesus – e o de Deus – não significa indiferença, desinteresse ou abandono. A fé que Jesus pretende que ela possua deve ser persistente.
b) Através da prova de uma rejeição aparente
“Mt 15:23b E os seus discípulos, chegando ao pé dele, rogaram-lhe, dizendo: Despede-a, que vem gritando atrás de nós. Mt 15:24 E ele, respondendo, disse: Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel”.
Carr expressa corretamente o propósito de Cristo: “Por meio de sua recusa, Jesus estava testando a fé dessa mulher, para poder torná-la mais pura e profunda” (BEACON, 2006, p. 115). Note duas coisas aqui:
(i) O pedido dos discípulos. “E os seus discípulos, chegando ao pé dele, rogaram-lhe, dizendo: Despede-a, que vem gritando atrás de nós”. O que eles parecem estar pedindo é que Jesus a despeça logo atendendo-a.
(ii) A resposta de Jesus aos discípulos e à mulher. “E ele, respondendo, disse: Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel”. Note:
a. A origem da sua missão – “fui enviado”.
b. Os destinatários da sua missão – “casa de Israel”.
c. A condição espiritual dos destinatários da sua missão – “ovelhas perdidas”.
Aqui, a resposta de Jesus revela que Ele pretendia que ela tivesse conhecimento do propósito inicial da sua missão. Nesse estágio da redenção a sua missão estava voltada para os seus, mesmo que o texto anterior já nos dê uma pista de que os seus o rejeitaram. O plano de Deus envolvia tanto os judeus quanto os gentios. Carson sublinha o seguinte:
Verdade, ele era “Filho de Davi”, como dissera a mulher; mas isso não dava a ela o direito de desfrutar os benefícios da aliança feita com os judeus. O reino deve ser oferecido primeiro a eles. O pensamento é semelhante a João 4.22: “A salvação vem dos judeus”. A mulher samaritana, como essa mulher cananeia, teve de reconhecer isso — mesmo que venha o tempo em que a verdadeira adoração transcenda essas categorias (Jo 4.23-26) (CARSON, 2010, p. 417).
O segundo teste visa levar a mulher nutrir uma fé baseada numa teologia correta. A fé baseada numa teologia ruim acabará por nos afastar de Jesus em vez de nos fazer aproximar dele.
c) Através da prova de um insulto aparente
A terceira resposta de Jesus é provocada por uma súplica ainda mais desesperada. Destacamos algumas coisas:
(i) A adoração da mulher. “Então, chegou ela e adorou-o, dizendo: Senhor, socorre-me”.
(ii) A resposta de Jesus. “Ele, porém, respondendo, disse: Não é bom pegar o pão dos filhos e deitá-lo aos cachorrinhos”. A precedência dos filhos de Israel sobre os gentios é destacada por essas palavras. A mulher precisava entender a distinção entre judeu e gentio.
(iii) A resposta da mulher: E ela disse: “Sim, Senhor, mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus senhores”.
a. Ela concorda com Jesus - “Sim, Senhor”. Ela parece ter entendido a distinção entre judeu e gentio.
b. Ela usa de sabedoria no trato com Jesus – “mas também (até mesmo) os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus senhores”. “Nosso Salvador não estava se referindo aos cães selvagens, violentos, imundos e sem dono que perambulavam pelas cidades do Oriente, mas aos cachorrinhos de estimação nos quais as crianças estão interessadas e com os quais elas brincam” (BEACON, 2006, 115).
c. Ela apresenta uma fé madura no trato com Jesus - “mas também (até mesmo) os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus senhores”. Mas uma vez Carson é certeiro:
Ela não argumenta que sua necessidade a torna uma exceção, ou que tinha direito às misericórdias garantidas pela aliança a Israel, ou que os caminhos misteriosos da eleição e justiça divinas são injustos. Ela abandona a menção a Jesus como “Filho de Davi” e simplesmente pede ajuda; “e ela está confiante que mesmo que não seja designada para se assentar como convidada à mesa do Messias, o ‘cachorrinho’ gentio que, todavia, ela é, tem pelo menos permissão de receber as migalhas das misericórdias não incluídas na aliança de Deus” (Tasker; cf. Schlatter) (CARSON, 2010, p. 417).
d) O resultado da prova
“Então, respondeu Jesus e disse-lhe: Ó mulher, grande é a tua fé. Seja isso feito para contigo, como tu desejas. E, desde aquela hora, a sua filha ficou sã”. Destacamos quatro coisas:
(i) A fé da mulher é reconhecida. “Ó mulher, grande é a tua fé”.
(ii) A fé da mulher é elogiada. “grande é a tua fé”.
(iii) A fé da mulher é recompensada. “Seja isso feito para contigo, como tu desejas”.
(iv) A fé da mulher é confirmada. “E, desde aquela hora, a sua filha ficou sã”.
APLICAÇÃO
Esse incidente foi bem resumido por G. Campbell Morgan: “Contra o preconceito, ela veio; contra o silêncio, perseverou; contra a exclusão, prosseguiu; e contra a rejeição, ela venceu” (BEACON, 2006, p.115).
Bibliografia
CARSON, D. A. O comentário de Mateus. Tradução Lena Aranha & Regina Aranha. São Paulo: Shedd Publicações, 2010.
EARLE, Ralph. O Comentário Bíblico Beacon. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2006.
BARCLAY, William. O Evangelho de Mateus. Philadelphia: Imprensa de Westminster, 1975.
O título e a divisão da segunda parte do sermão foram tomados do sermão pregado por Joel Beeke na Primeira Igreja Batista Bíblica do Rio de Janeiro. Disponível em: www.youtube.com/watch?v=28nk5A8IXPk. Acesso em: 03 jan 2017.
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