William Barclay
Apocalipse 3:20
No versículo 20 temos uma das imagens mais famosas de Cristo em todo o Novo Testamento "Eis aqui", diz o Cristo ressuscitado, "eu estou à porta e chamo." Esta imagem deriva de duas fontes diferentes.
(1) Tem sido interpretado como uma advertência com relação à iminente vinda de Cristo em glória. O cristão deve ser como o homem que está sempre preparado para abrir a porta quando seu senhor bate (Lucas 12:36). Quando se produzirem os sinais, o cristão saberá que o fim está perto (Marcos 13:29; Mateus 24:33). O cristão deve viver bem e viver no amor porque sabe que seu juiz está às portas (Tiago 5:9). É evidente que o Novo Testamento usa esta imagem para expressar a iminência da vinda de Cristo. Se esta é a interpretação que se deve atribuir, nossa imagem contém, ao mesmo tempo, uma advertência, e diz aos homens que devem cuidar-se porque Jesus Cristo, o Juiz e Rei de todos os homens, está às portas.
(2) Não podemos dizer que esse primeiro significado é impossível; entretanto, não pareceria ajustar-se ao contexto, porque a atmosfera geral da passagem não é a ameaça ou a advertência mas sim a expressão de um amor ofegante. É muito melhor interpretar esta afirmação de Jesus como uma expressão de amor para com, os homens. Neste sentido devemos buscar a fonte desta passagem nas porções mais tenras do Cântico dos Cânticos, quando o noivo está à porta da habitação de sua amada e pede que o deixe entrar. “Eis a voz do meu amado, que está batendo: Abre-me...” (Cantares 5:2-6). Aqui o amante é Cristo, que bate na porta dos corações dos homens. Nesta imagem percebemos algumas das verdades mais importantes da religião cristã.
(a) Vejamos os rogos de Cristo. Cristo está à porta do coração humano e roga. O único fato verdadeiramente único que o cristianismo contribuiu ao mundo é seu conceito de Deus como Aquele que busca o homem. Não há nenhuma religião que possua esta noção.
Em seu livro Out of Nazareth Donald Baillie cita três testemunhas do caráter verdadeiramente único desta surpreendente concepção. Montefiore, o grande estudioso judeu da Bíblia, disse que "a única coisa que jamais ocorreu aos profetas ou aos rabinos judeus, foi a concepção de um Deus que sai à busca do homem pecador que não estava buscando a Deus e que inclusive se afastou deliberadamente
dEle." Era suficiente, para eles; pensar que Deus era misericordioso para aceitar os homens que voltassem a Ele arrependidos; mas superava totalmente sua fé a possibilidade de que Deus saísse em busca do pecador não arrependido.
O Conselho Nacional Cristão do Japão redigiu um documento no qual tentava estabelecer claramente a diferença entre o cristianismo e outras religiões, e em um dos parágrafos que finalmente foram dados a conhecer, dizia: "A principal diferença é que não é o homem quem busca a Deus mas sim Deus que toma a iniciativa e sai para buscar o homem." O barão von Hugel, um grande teólogo alemão, gostava muito de repetir umas palavras que São Bernardo dizia sempre a seus monges:
"Por mais cedo que vocês se levantem pela manhã para ir rezar na capela ou nas noites mais frias do inverno, creiam que Deus sempre estará acordado antes de vocês , esperando-os; sim, Ele é quem despertou em vocês o seu sonho para que busquem seu rosto."
Aqui temos a imagem do Deus que busca, do Cristo que chama, de Cristo amante que suplica, de Cristo que pede para entrar no coração do homem pecador, até daquele que não quer recebê-lo. Por certo, nenhum amor poderia chegar tão longe.
(b) Vemos qual é a oferta de Cristo. A palavra que se traduz "cear" é muito significativa. Os gregos faziam três refeições por dia. O café da manhã consistia num pedaço de pão seco molhado em vinho. O almoço, ou refeição do meio-dia, em geral não se tomava necessariamente na casa; consistia de algum bocado frio que se consumia ao estilo "piquenique", à beira do caminho ou em alguma colunata ou no lugar da cidade. A refeição da noite, ou jantar, era a principal do dia. Os comensais participavam dela à vontade, tomando tempo para a observação, pois o trabalho do dia já havia terminado; não havia nada para fazer depois e portanto podia dedicar-se todo o tempo que se quisesse à conversa amável entre amigos. A palavra que se usa em nossa passagem é a que designa a ação de participar desta ultima refeição do dia. Cristo participaria da ceia com aqueles que respondessem a seu chamado. Não se tratava de uma comida rápida, de passagem, mas sim de um momento de íntima fraternidade com Ele, sem apuros nem interrupções.
(3) Vemos a responsabilidade humana. Cristo bate na porta; a gente pode responder a esse chamado ou ignorá-lo. Cristo não entra sem que se abra a porta. Deve ser convidado a fazê-lo. Até no caminho do Emaús “Fez ele menção de passar adiante” (Lucas 24:28). Jesus Cristo nunca nos vai obrigar a que o recebamos ou aceitemos: espera até que nós estamos em condições de pedir-lhe para entrar.
Holman Hunt tinha razão quando ao representar esta cena num quadro que se tornou famoso (intitulado A luz do mundo), pintava a porta do coração humano sem maçaneta pelo lado de fora. Somente de dentro ela pode ser aberta.
Tal como afirma R. C. Trench: "Cada homem é o senhor de seu próprio coração; este é sua fortaleza; ele próprio deve abrir suas portas, quando deseja fazê-lo." Possui "a prerrogativa e o privilégio de negar-se a abrir". O homem que se nega a deixar Cristo entrar em seu coração "é cego com relação à sua própria bem-aventurança". É um "miserável vencedor". Cristo solicita. Cristo oferece. Mas tudo isto será em vão se nós não lhe abrirmos e o convidarmos a entrar.
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