Frans Leonard Schalkwijk
O gnosticismo estava no ar durante os
primeiros três séculos da Era Cristã, influenciando até o Judaísmo e
judeus-cristãos, como os elquesaitas. Sem dúvida, o gnosticismo foi a maior
ameaça para a igreja, maior do que a perseguição, especialmente por volta de
135 d.C.
A doutrina gnóstica
Em si o nome “gnosticismo” não diz
muito. A palavra “neoplatonismo” aponta logo para o sistema de um pensador, mas
“gnosticismo” vem de gnosis, conhecimento, em geral. Entretanto, na
História Antiga era uma palavra carregada de conteúdo religioso, pois apontava
para um conhecimento secreto (gnosis) sobre a salvação da alma. Ensinava
que o homem é um espírito encarcerado na matéria, que precisa de conhecimento
para saber como chegou a tal situação e como poderia escapar dela.
Para os gnósticos, Deus é como uma
bacia transbordante (plêrôma). Um dia, uma de suas "emanações” (éon),
o Demiurgo, criou a terra, e os espíritos humanos ficaram encarcerados na
matéria (conforme ensina Plotino, “essa é a queda dapsychê, sua entrada
na matéria” 1 Ennead 8:11). Mas o éon supremo, o logos Cristo,
trouxe a gnosis para o homem voltar para Deus. O homem é material com uma
chama divina embutida, e seu espírito somente pode escapar por meio de mortificação
(ascese), meditação e êxtase. Mas há grandes diferenças entre os homens.
Basicamente, há três degraus entre eles: há os “hílicos” {hide), que são
puros materialistas e não progrediram em nada; há os “psíquicos” (psychê), que
já subiram um degrau; e finalmente, há os “pneumáticos” (pneuma), que
alcançarão a salvação.
Parece tão bonito; contudo, logo se percebe como é falso esse
pensamento, porque dessa forma, o espírito seria santo e a matéria pecado
(espírito = bom. matéria = mal). Já notamos o engano diabólico fazendo uma
pergunta sobre o “topo" da realidade: "Se espírito é idêntico com
santidade, e matéria com pecado, quantos gramas pesa o diabo?” A resposta é
clara: ele não pesa nada, pois é espírito, e pai também dessa mentira. E
pensando na "base” da realidade, deve mos perguntar: "Será que o
homem alguma vez foi um deus no mais íntimo do seu ser?” E a resposta é clara
também: "Nunca, nem mesmo antes da queda, pois foi criado à imagem de
Deus, espiritual e material, sem pecado. É um tipo da primeira mentira do diabo”
(ser como Deus, Gn 3.5). Esse gnosis é falso, mas, sem querer, o vírus
entrou na igreja pelas conversões de pagãos.
Líderes gnósticos
Bem cedo a igreja se encontrou com
representantes dessas idéias. Em Samaria, Simão Mago e a profetisa
Helena disseram que eram encarnações de poderes divinos; gostaram da pregação
de Filipe e se fizeram membros da igreja. Mas quando o velho feiticeiro
ofereceu dinheiro para adquirir outro poder "mágico”, foi desmascarado por
Pedro (At 8.10.21). Assim também, o apóstolo Paulo alertou os colossenses
quanto ao perigo dessas filosofias pagãs (62 d.C.; Cl 2.8,18-23). Depois, em
Efeso (90 d.C.), o apóstolo João precisou combater um certo Cerinto, que
afirmava ser Cristo um “éon” que havia descido sobre o homem Jesus. João o combateu
firmemente: parece muito bonito, mas de fato, quem nega que Cristo veio em
carne está divulgando ensinos do anticristo (1.1-3; 2.22; 4.2,3).
Mais perigosos eram os ensinamentos de Basílicles
e de Valentino. Para entender suas idéias devemos lembrar que no
gnosticismo há um dualismo básico: matéria é pecado, e por isso Jesus não pode
ser o Verbo {logos) encarnado. A doutrina da Palavra de Deus, contudo, é
clara nesse ponto (Jo 1).
Há dois métodos de se desviar dela: para o lado esquerdo, tirando algo
da revelação, ou para o lado direito, acrescentando algo a ela. Basílides
seguiu o primeiro método. Ele trabalhava em Alexandria, centro do helenismo e
consequentemente do pensamento gnóstico. Em 24 comentários, reinterpretou o
ensino bíblico, como Cerinto o tinha feito. Para ele, Jesus somente podia ser
um homem comum. Não é a própria Bíblia que afirma que, na hora do batismo, o
Espírito Santo desceu sobre Jesus? Aquele foi o "éon” mais sublime.
Cristo, que desceu sobre o homem Jesus, e ficou sobre ele até a cruz, pois não
foi o próprio Jesus que ali bradou: “Meu Deus, porque me abandonaste?” O ensino
de Cerinto ganhou muitos adeptos no Egito, onde sempre houve grande influência
gnóstica. Era tão divulgado que em 1945 foi localizada uma biblioteca gnóstica
no sul do Egito, em Nag Hamadi (Chenoboskion), contendo entre outras obras
gnósticas O Evangelho da Verdade, a Pistis-Sofia e as Odes de
Salomão.
Em Roma havia outro “gnóstico cristão”, Valentino. Basflides
havia ‘‘solucionado” o problema do segredo cristológico negando que Jesus era
espiritual; agora Valentino foi para o outro lado. negando que Jesus era
realmente humano. A matéria, por definição, era pecado, conforme Valentino
ensinava; logo, Jesus não podia ter um corpo humano como o nosso; deve ter sido
um corpo etéreo, eônico. Parecia um corpo, mas não era real. Este ensino se
chamou “docetismo”, do grego dokeo, “aparentar, parecer”. Jesus parecia
um homem, mas não o era em realidade.
O cristianismo gnóstico (ou seria melhor dizer gnosticismo cristão?)
exerceu uma grande influência por causa do seu culto misterioso e elaborado,
inclusive com hinos, imagens, etc. Os centros se localizavam no Egito, Síria e
Roma; seu florescimento ocorreu por volta do ano 135 d.C. Além das escolas
mencionadas, havia ainda muitos outros tipos, como os ofitas, que
consideravam a serpente (ofis) como símbolo do pecado e do
desenvolvimento. Até o apologista Taciano de Edessa (±175), aluno de Justino
Mártir, foi influenciado e aderiu à seita dos encratitas, que praticavam
uma ascese (enkrateia) gnóstica rigorosa; abstenção de carne, vinho e matrimônio.
Por outro lado, nasceu entre esses grupos uma grande tradição de cântico
eclesiástico.
Os polemistas
Todos os teólogos dos primeiros séculos
eram combatentes dessa tentativa de tecer um sincretismo entre o Evangelho e
esse pensamento pagão. Tal tentativa transformaria o Cristianismo numa
filosofia religiosa mística, desvencilhando-o de fatos históricos que eram
reinterpretados como mitos. Para os gnósticos, o deus do Antigo Testamento não
podia ser o Deus de Jesus Cristo, e o Cristo não podia ter morrido realmente,
nem ressuscitado e nem voltaria. Os apóstolos Pedro, Paulo e João foram os
primeiros a detectar esse vírus. Conhecendo Pedro e Paulo, dá para entender sua
reação enérgica (At 8.21; Cl 2.23). mas a resposta do gentil apóstolo do amor,
João, não é menos clara, taxando esse tipo de ensino como propaganda do
mentiroso e do anticristo (2. 22) , um outro evangelho,
contra a Palavra revelada.
“Não”, disseram também os outros teólogos.
Primeiro, foi essa a resposta
dada pelos alunos dos apóstolos, conhecidos pelo título de pais apostólicos, como Inácio de Antioquia e Policarpo de Esmirna. "Não” disseram também os apologistas como Justino Mártir. "Não” disseram também os que vieram depois, chamados de Pais da Igreja, como Irineu de Lião e Hipólito de Roma, Tertuliano e Cipriano de Cartago. Clemente e Orígenes de Alexandria. E eles deram um “não” categórico a todos que queriam “desmitologizar” os eventos históricos do Evangelho (como mais tarde faria Rudolf Bultmann cum suis; teosofia, antroposofia).
dada pelos alunos dos apóstolos, conhecidos pelo título de pais apostólicos, como Inácio de Antioquia e Policarpo de Esmirna. "Não” disseram também os apologistas como Justino Mártir. "Não” disseram também os que vieram depois, chamados de Pais da Igreja, como Irineu de Lião e Hipólito de Roma, Tertuliano e Cipriano de Cartago. Clemente e Orígenes de Alexandria. E eles deram um “não” categórico a todos que queriam “desmitologizar” os eventos históricos do Evangelho (como mais tarde faria Rudolf Bultmann cum suis; teosofia, antroposofia).
O claro “não” contra os heréticos resolveu, e durante as primeiras
décadas do século 22 umas 12 seitas gnósticas saíram da igreja de Cristo, entre
elas os “basilidianos”, os “valentinos” e os “marcionitas”. Estes últimos de
marca diferente ainda.
A análise do surgimento histórico do gnosticismo dentro da Igreja
Cristã, bem como o combate contra ele levado a efeito pelos primeiros mestres
apologetas, nos ajuda a entender melhor a luta que o apóstolo João precisou
travar contra os falsos mestres da Ásia. Eles estavam disseminando as sementes
daquelas heresias que nos séculos seguintes ameaçariam a existência da própria
igreja de Cristo.
LOPES, Augustus Nicodemus. Interpretando
o Novo Testamento: Primeira Carta de João. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.
p. 21-24.
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