sábado, 24 de dezembro de 2016

JESUS ERA CRISTÃO?

Por Augustus Nicodemus Lopes


Muita gente pensa que sim. Todavia, a religião de Jesus não era cristianismo. Explico. Jesus não tinha pecado, nunca confessou pecados, nunca pediu perdão a Deus (ou a ninguém), não foi justificado pela fé, não nasceu de novo, não precisava de um mediador para chegar ao Pai, não tinha consciência nem convicção de pecado e nunca se arrependeu. A religião de Jesus era aquela do Éden, antes do pecado entrar. Era a religião da humanidade perfeita, inocente, pura, imaculada, da perfeita obediência (cf. Lc 23:41; Jo 8:46; At 3:14; 13:28; 2Co 5:21; Hb 4:15; 7:26; 1Pe 2:22).

Já o cristão – bem, o cristão é um pecador que foi perdoado, justificado, que nasceu de novo, que ainda experimenta a presença e a influência de sua natureza pecaminosa. Ele só pode chegar a Deus através de um mediador. Ele tem consciência de pecado, lamenta e se quebranta por eles, arrepende-se e roga o perdão de Deus. Isto é cristianismo, a religião da graça, a única religião realmente apropriada e eficaz para os filhos de Adão e Eva.

Assim, se por um lado devemos obedecer aos mandamentos de Jesus e seguir seu exemplo, há um sentido em que nossa religião é diferente da dele.

Quando as pessoas não entendem isto, podem cometer vários enganos. Por exemplo, elas podem pensar que as pessoas são cristãs simplesmente porque elas são boas, abnegadas, honestas, sinceras e cumpridoras do dever, como Jesus foi. Sem dúvida, Jesus foi tudo isto e nos ensinou a ser assim, mas não é isso que nos torna cristãos. As pessoas podem ser tudo isto sem ter consciência de pecado, arrependimento e fé no sacrifício completo e suficiente de Cristo na cruz do Calvário e em sua ressurreição – que é a condição imposta no Novo Testamento para que sejamos de fato cristãos. 

Este foi, num certo sentido, o erro dos liberais. Ao removerem o sobrenatural da Bíblia, reduziram o Jesus da história a um mestre judeu, ou um reformador do judaísmo, ou um profeta itinerante, ou ainda um exorcista ambulante ou um contador de parábolas e ditos obscuros que nunca realmente morreu pelos pecados de ninguém (os liberais ainda não chegaram a uma conclusão sobre quem de fato foi o Jesus da história, mas continuam pesquisando...). Para os liberais, todas estas doutrinas sobre o sacrifício de Cristo, sua morte e ressurreição, o novo nascimento, justificação pela fé, adoção, fé e arrependimento, foram uma invenção do Cristianismo gentílico. Eles culpam especialmente a Paulo por ter inventando coisas que Jesus jamais havia dito ou ensinado, especialmente a doutrina da justificação pela fé.

Como resultado, os liberais conceberam o Cristianismo como uma religião de regras morais, sendo a mais importante aquela do amor ao próximo. Ser cristão era imitar Cristo, era amar ao próximo e fazer o bem. E sendo assim, perceberam que não há diferença essencial entre o Cristianismo e as demais religiões, já que todas ensinam que devemos amar o próximo e fazer o bem. Falaram do Cristo oculto em todas as religiões e dos cristãos anônimos, aqueles que são cristãos por imitarem a Cristo sem nunca terem ouvido falar dele. Se ser cristão é imitar a Cristo, vamos terminar logicamente no ecumenismo com todas as religiões.

Não existe dúvida que imitar Jesus faz parte da vida cristã. Há diversas passagens bíblicas que nos exortam a fazer isto. No Novo Testamento encontramos por várias vezes o Senhor como exemplo a ser imitado. Todavia, é bom prestar atenção naquilo em que o Senhor Jesus deve ser imitado: em procurarmos agradar aos outros e não a nós mesmos (1Co 10:33 – 11:1), na perseverança em meio ao sofrimento (1Ts 1:6), no acolher-nos uns aos outros (Rm 15:7), no andarmos em amor (Ef 5:23), no esvaziarmos a nós mesmos e nos submeter à vontade de Deus (Fp 2:5) e no sofrermos injustamente sem queixas e murmurações (1Pe 2:21). Outras passagens poderiam ser citadas. Todas elas, contudo, colocam o Senhor como modelo para o cristão no seu agir, no seu pensar, para quem já era cristão.

Não me entendam mal. O que eu estou tentando dizer é que para que alguém seja cristão é necessário que ele se arrependa genuinamente de seus pecados e receba Jesus Cristo pela fé, como seu único Senhor e Salvador. Como resultado, esta pessoa passará a imitar a Cristo no amor, na renúncia, na humildade, na perseverança, no sofrimento. A imitação vem depois, não antes. A porta de entrada do Reino não é ser como Cristo, mas converter-se a Ele.

O GNOSTICISMO

Frans Leonard Schalkwijk

O gnosticismo estava no ar durante os primeiros três séculos da Era Cristã, influenciando até o Judaísmo e judeus-cristãos, como os elquesaitas. Sem dúvida, o gnosticismo foi a maior ameaça para a igreja, maior do que a perseguição, especialmente por volta de 135 d.C.

A doutrina gnóstica

Em si o nome “gnosticismo” não diz muito. A palavra “neoplatonismo” aponta logo para o sistema de um pensador, mas “gnosticismo” vem de gnosis, conhecimento, em geral. Entretanto, na História Antiga era uma palavra carregada de conteúdo religioso, pois apontava para um conhecimento secreto (gnosis) sobre a salvação da alma. Ensinava que o homem é um espírito encarcerado na matéria, que precisa de conhecimento para saber como chegou a tal situação e como poderia escapar dela.
Para os gnósticos, Deus é como uma bacia transbordante (plêrôma). Um dia, uma de suas "emanações” (éon), o Demiurgo, criou a terra, e os espíritos humanos ficaram encarcerados na matéria (conforme ensina Plotino, “essa é a queda dapsychê, sua entrada na matéria” 1 Ennead 8:11). Mas o éon supremo, o logos Cristo, trouxe a gnosis para o homem voltar para Deus. O homem é material com uma chama divina embutida, e seu espírito somente pode escapar por meio de mortificação (ascese), meditação e êxtase. Mas há grandes diferenças entre os homens. Basicamente, há três degraus entre eles: há os “hílicos” {hide), que são puros materialistas e não progrediram em nada; há os “psíquicos” (psychê), que já subiram um degrau; e finalmente, há os “pneumáticos” (pneuma), que alcançarão a salvação.
Parece tão bonito; contudo, logo se percebe como é falso esse pensamento, porque dessa forma, o espírito seria santo e a matéria pecado (espírito = bom. matéria = mal). Já notamos o engano diabólico fazendo uma pergunta sobre o “topo" da realidade: "Se espírito é idêntico com santidade, e matéria com pecado, quantos gramas pesa o diabo?” A resposta é clara: ele não pesa nada, pois é espírito, e pai também dessa mentira. E pensando na "base” da realidade, deve mos perguntar: "Será que o homem alguma vez foi um deus no mais íntimo do seu ser?” E a resposta é clara também: "Nunca, nem mesmo antes da queda, pois foi criado à imagem de Deus, espiritual e material, sem pecado. É um tipo da primeira mentira do diabo” (ser como Deus, Gn 3.5). Esse gnosis é falso, mas, sem querer, o vírus entrou na igreja pelas conversões de pagãos.

Líderes gnósticos

Bem cedo a igreja se encontrou com representantes dessas idéias. Em Samaria, Simão Mago e a profetisa Helena disseram que eram encarnações de poderes divinos; gostaram da pregação de Filipe e se fizeram membros da igreja. Mas quando o velho feiticeiro ofereceu dinheiro para adquirir outro poder "mágico”, foi desmascarado por Pedro (At 8.10.21). Assim também, o apóstolo Paulo alertou os colossenses quanto ao perigo dessas filosofias pagãs (62 d.C.; Cl 2.8,18-23). Depois, em Efeso (90 d.C.), o apóstolo João precisou combater um certo Cerinto, que afirmava ser Cristo um “éon” que havia descido sobre o homem Jesus. João o combateu firmemente: parece muito bonito, mas de fato, quem nega que Cristo veio em carne está divulgando ensinos do anticristo (1.1-3; 2.22; 4.2,3).
Mais perigosos eram os ensinamentos de Basílicles e de Valentino. Para entender suas idéias devemos lembrar que no gnosticismo há um dualismo básico: matéria é pecado, e por isso Jesus não pode ser o Verbo {logos) encarnado. A doutrina da Palavra de Deus, contudo, é clara nesse ponto (Jo 1).
Há dois métodos de se desviar dela: para o lado esquerdo, tirando algo da revelação, ou para o lado direito, acrescentando algo a ela. Basílides seguiu o primeiro método. Ele trabalhava em Alexandria, centro do helenismo e consequentemente do pensamento gnóstico. Em 24 comentários, reinterpretou o ensino bíblico, como Cerinto o tinha feito. Para ele, Jesus somente podia ser um homem comum. Não é a própria Bíblia que afirma que, na hora do batismo, o Espírito Santo desceu sobre Jesus? Aquele foi o "éon” mais sublime. Cristo, que desceu sobre o homem Jesus, e ficou sobre ele até a cruz, pois não foi o próprio Jesus que ali bradou: “Meu Deus, porque me abandonaste?” O ensino de Cerinto ganhou muitos adeptos no Egito, onde sempre houve grande influência gnóstica. Era tão divulgado que em 1945 foi localizada uma biblioteca gnóstica no sul do Egito, em Nag Hamadi (Chenoboskion), contendo entre outras obras gnósticas O Evangelho da Verdade, a Pistis-Sofia e as Odes de Salomão.

Em Roma havia outro “gnóstico cristão”, Valentino. Basflides havia ‘‘solucionado” o problema do segredo cristológico negando que Jesus era espiritual; agora Valentino foi para o outro lado. negando que Jesus era realmente humano. A maté­ria, por definição, era pecado, conforme Valentino ensinava; logo, Jesus não podia ter um corpo humano como o nosso; deve ter sido um corpo etéreo, eônico. Parecia um corpo, mas não era real. Este ensino se chamou “docetismo”, do grego dokeo, “aparentar, parecer”. Jesus parecia um homem, mas não o era em realidade.
O cristianismo gnóstico (ou seria melhor dizer gnosticismo cristão?) exerceu uma grande influência por causa do seu culto misterioso e elaborado, inclusive com hinos, imagens, etc. Os centros se localizavam no Egito, Síria e Roma; seu florescimento ocorreu por volta do ano 135 d.C. Além das escolas mencionadas, havia ainda muitos outros tipos, como os ofitas, que consideravam a serpente (ofis) como símbolo do pecado e do desenvolvimento. Até o apologista Taciano de Edessa (±175), aluno de Justino Mártir, foi influenciado e aderiu à seita dos encratitas, que praticavam uma ascese (enkrateia) gnóstica rigorosa; abstenção de carne, vinho e matrimônio. Por outro lado, nasceu entre esses grupos uma grande tradição de cântico eclesiástico.

Os polemistas

Todos os teólogos dos primeiros séculos eram combatentes dessa tentativa de tecer um sincretismo entre o Evangelho e esse pensamento pagão. Tal tentativa transformaria o Cristianismo numa filosofia religiosa mística, desvencilhando-o de fatos históricos que eram reinterpretados como mitos. Para os gnósticos, o deus do Antigo Testamento não podia ser o Deus de Jesus Cristo, e o Cristo não podia ter morrido realmente, nem ressuscitado e nem voltaria. Os apóstolos Pedro, Paulo e João foram os primeiros a detectar esse vírus. Conhecendo Pedro e Paulo, dá para entender sua reação enérgica (At 8.21; Cl 2.23). mas a resposta do gentil apóstolo do amor, João, não é menos clara, taxando esse tipo de ensino como propaganda do mentiroso e do anticristo (2. 22) , um outro evangelho, contra a Palavra revelada.
“Não”, disseram também os outros teólogos. Primeiro, foi essa a resposta
dada pelos alunos dos apóstolos, conhecidos pelo título de pais apostólicos, como Inácio de Antioquia e Policarpo de Esmirna. "Não” disseram também os apologistas como Justino Mártir. "Não” disseram também os que vieram depois, chamados de Pais da Igreja, como Irineu de Lião e Hipólito de Roma, Tertuliano e Cipriano de Cartago. Clemente e Orígenes de Alexandria. E eles deram um “não” categórico a todos que queriam “desmitologizar” os eventos históricos do Evangelho (como mais tarde faria Rudolf Bultmann cum suis; teosofia, antroposofia).
O claro “não” contra os heréticos resolveu, e durante as primeiras décadas do século 22 umas 12 seitas gnósticas saíram da igreja de Cristo, entre elas os “basilidianos”, os “valentinos” e os “marcionitas”. Estes últimos de marca diferente ainda.
A análise do surgimento histórico do gnosticismo dentro da Igreja Cristã, bem como o combate contra ele levado a efeito pelos primeiros mestres apologetas, nos ajuda a entender melhor a luta que o apóstolo João precisou travar contra os falsos mestres da Ásia. Eles estavam disseminando as sementes daquelas heresias que nos séculos seguintes ameaçariam a existência da própria igreja de Cristo.

LOPES, Augustus Nicodemus. Interpretando o Novo Testamento: Primeira Carta de João. São Paulo: Cultura Cristã, 2004. p. 21-24.



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