Ref. Fl 1:27-30
No dizer de Vincent: “É mister destacar que, sob quaisquer circunstâncias, quer eu vá até vós, conforme espero fazê-lo, quer fique ainda ausente, conforme poderia ser compelido a fazê-lo, exorto-vos a vos conduzirdes como é próprio na comunidade cristã, em vossa constância, unidade e esforço ativo em prol do evangelho, bem como em vossa coragem em face do adversário; e isso demonstrará a inutilidade dos esforços do adversário, bem como a sua condenação à perdição, ao mesmo tempo que servirá de evidência divina de vossa própria salvação. Porque o privilégio conferido a vós, a quem será dado sofrer por Cristo, demonstrará que estais unidos a ele, como participantes da mesma graça que me tem permitido contender pela causa do Senhor, capacitando-vos também a entrardes no mesmo conflito no qual me vezes envolvido, e que agora ouvis que me envolve, estando eu em minha prisão romana”.
Introdução
Segundo Ralph Martin, o presente texto está inserido dentro de uma seção que compreende os capítulos 1.27-2.18, formando uma perícope intitulada exortação à comunidade. A forma como Paulo se expressa indica que ele decidiu dar conselhos diretos, mesmo na sua ausência. No caso dos Filipenses, ele tinha dois objetivos específicos ao dirigir-lhes estas palavras: 1) oferecer-lhes algum encorajamento, no conflito que aparentemente estavam enfrentando contra os adversários; 2) adverti-los contra o espírito sectário, egoísta. As palavras chaves dessa seção, portanto, são: firmeza, sofrimento, luta, unidade e humildade.
Até mesmo uma igreja como a de Filipos corre o perigo de ser exaurida por problemas internos e externos. É razoável indagarmos sobre a razão da desunião, e da natureza da hostilidade que os filipenses estavam enfrentando. Segundo MARTIN, parte do problema dentro da igreja era a perda de confiança, em face do sofrimento não esperado (2.14). Por que deveriam eles sofrer por sua fé, e aguentar um conflito tão amargo? A réplica de Paulo consiste em oferecer uma teodiceia, onde ele mesmo e seu Mestre está inserido. O principal ensino de Paulo é que o sofrimento faz parte do propósito de Deus para a igreja, em virtude da sua própria identificação com Cristo (2.6-11). Em outras palavras, a vida da igreja é cruciforme (1 Ts 3.3,4). Nesta breve seção, pois, Paulo adverte aos crentes filipenses que as aflições e perseguições que viam nele, e que foram também as do seu Senhor, também poderia vir a ser a experiência deles.
Na mesma linha de pensamento, Martyn Lloyd-Jones diz que "o apostolo trata primeiramente do aspecto exterior da nossa vida cristã (1.27-30), e depois do aspecto interior (2.1-4). De acordo com Paulo, como cristãos nesta existência temos que travar guerra contra forças alheias a nós e, também, temos uma luta contra forças que estão dentro de nós".
Vamos, em primeiro lugar, considerar qual era a condição da alegria de Paulo na igreja de Filipos. Posteriormente, fixemos nossa atenção no que Paulo espera daqueles irmãos ou o que significa viver por modo digno do Evangelho de Cristo, o que poderíamos resumir em quatro palavras, quais sejam: Firmeza (v. 27b), Unidade (v. 27c); Luta (vv 27d-28); e Sofrimento (vv. 29-30).
I. A VERDADEIRA CONDUTA CRISTÃ: A CONDIÇÃO DA ALEGRIA DO APÓSTOLO NA IGREJA
1. Uma coisa é essencial.
Não importa o que aconteça a Paulo ou aos filipenses, estes devem viver dignamente sua fé e sua profissão cristã. O termo grego “monon” (tão-somente, apenas, acima de tudo), se encontra em posição enfática, destacando o fato que a verdadeira conduta cristã é a condição indispensável e exclusiva da alegria de Paulo, quando chegasse à presença deles ou não, conforme o demonstra a conexão com Fl 1 :24-26. Mas esse viver por modo digno não deve ser entendido apenas no sentido pessoal, aplicado à conduta particular de cada cristão em si. A igreja não é constituída de pessoas isoladas, mas, por pessoas unidas pelos laços da fé, do Espírito, da luta, formando um corpo, uma comunidade. Então o que Paulo tem em mente é a conduta ideal para a comunidade de crentes em Filipos. Por isso, a pergunta que devemos fazer é: - “por que Paulo deu está exortação geral à conduta digna do Evangelho?” Por que é essencial viver por modo digno do Evangelho de Cristo?
a) Porque a conduta cristã demonstra a nossa verdadeira cidadania.
Aqui, Paulo utiliza-se do contexto imediato dos filipenses (e o dele) para ilustrar uma realidade superior. Segundo Willian Barclay, Filipos era uma dessas colônias romanas que constituíam pequenas partes de Roma disseminadas por todo mundo. Nas colônias romanas os cidadãos romanos jamais esqueciam que eram romanos; falavam latim, levavam vestimentas latinas, davam a seus magistrados os títulos latinos, insistiam obstinadamente em que eram romanos apesar do longe que pudessem estar de Roma. Paulo diz, portanto, o seguinte: "Tanto vocês como eu conhecemos perfeitamente bem os privilégios e as responsabilidades de ser cidadão romano. Vocês conhecem perfeitamente bem como até em Filipos, a tantos quilômetros de Roma, devem viver e agir como o faz um romano. Pois bem, lembrem que têm um dever mais alto que este. Onde vocês estiverem devem viver como é digno de um cidadão do reino de Deus; jamais esqueçam os privilégios e as responsabilidades da cidadania, não a de Roma, mas sim do Reino de Deus". Portanto, isso nos ensina que
1) Quando vivemos “de modo digno do evangelho de Cristo” demonstramos que a Igreja é uma colônia do céu na terra (Fl 3.20). A igreja, embora imperfeita e temporal, é a manifestação terrena do reino perfeito e eterno do céu na presente época (cf. Col. 1:13). Conduta celestial se caracteriza por ser "irrepreensíveis e inocentes, filhos de Deus acima de qualquer suspeita no meio de uma geração corrompida e perversa, entre a qual aparecem como astros no mundo" (2:15).
2) Quando vivemos “de modo digno do evangelho de Cristo” devemos ter em mente que isso implica conduzi-nos em harmonia com as responsabilidades que este evangelho impõe e com as bênçãos que ele traz.
3) Exercer nossa cidadania “de modo digno do evangelho de Cristo” consiste em aplicar as regras do evangelho a toda a nossa conduta - a nossa conversa, transações comerciais, modos de vestir, o estilo de vida, entretenimento. Não há nada no fazer, ou no dizer, que possa ser exceção a essa regra. Num mundo em que tudo que é sólido se desmancha no ar, temos um referencial ético seguro e inabalável, o Evangelho de Cristo. Este mandato é expresso em outras partes do Novo Testamento como andar "de modo digno da vocação com que fostes chamados" (Ef 4:1; Col. 1:10; 1 Ts 2:12; cf. 4:1; Tito 2:10; 2 Pedro 3:11, 14).
b) Porque a conduta cristã revela a coerência do nosso cristianismo.
Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, a palavra coerência quer dizer “qualidade, condição ou estado de coerente; ligação, nexo ou harmonia entre dois fatos ou duas ideias; relação harmônica, conexão; congruência, harmonia de uma coisa com o fim a que se destina; uniformidade no proceder, igualdade de ânimo”. A palavra dignamente, no grego, sugere a imagem de uma balança de dois pratos. Tal balança tem que ter peso, poder e medida iguais em ambos os lados. Nossas vidas, a maneira de nos portarmos, deve ser como uma balança, equilibrada. Diante desta definição, podemos destacar algumas verdades fundamentais.
1) A maior arma contra o inimigo não é um sermão inspirador nem um livro poderoso, mas sim a vida coerente dos cristãos (2 Co 3.2). O maior testemunho da igreja diante do mundo é a integridade espiritual.
2) Não cultivamos um bom comportamento a fim de irmos para o céu; nosso comportamento deve ser exemplar, porque nosso nome já está escrito no céu, onde temos nossa cidadania (Ef 2.10).
3) A essência do apelo de Paulo é “vivei como pessoas convertidas”, tanto dentro da igreja, como lá fora, no mundo.
Bibliografia Consultada
LOPES, Hernandes Dias. Filipenses: a alegria triunfante no meio das provas. São Paulo: Hagnos, 2007.
MARTIN, Ralph P. Filipenses, introdução e comentário. São Paulo: Edições Vida Nova, 2011.
MACARTHUR, John. Philippians. CHICAGO: MOODY PRESS, 2001. (Edição eletrônica)
BRUCE, F.F. Filipenses. São Paulo: Editora Vida, 1992.
WIERSBE, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo: Novo Testamento (Vol. II). Santo André: Geográfica editora, 2006.
CHAMPLIN, R.N. O Novo Testamento Interpretado versículo por Versículo (vol. V). São Paulo: Candeia, 1998.
HENRY, Matthew. Comentário Bíblico do Novo Testamento: Atos a Apocalipse. Rio de Janeiro: CPAD, 2008.
HENDRIKSEN, William. Efésios e Filipenses: Comentário do Novo Testamento. São Paulo:Editora Cultura Cristã, 1992.
LLOYD-JONES, Martyn. A vida de alegria: comentário sobre Filipenses. São Paulo: PES, 2008.